A recuperação judicial e a alienação fiduciária

O diploma normativo nº 13.043, de 13 de novembro de 2014, inseriu diversas alterações, dentre as quais, aquela relacionada à alienação fiduciária, agilizando a busca e apreensão, alienação do bem, com repercussão reportada à recuperação judicial ou extrajudicial.

A primeira observação diz respeito ao conteúdo da reforma e sua generalização, uma vez que traz para o centro do debate a alta taxa de inadimplência de contratos bancários de financiamentos de veículos.

Sobremodo, o legislador deve, em primeiro plano, priorizar a recuperação da empresa, e não favorecer pedidos de busca e apreensão, envolvendo equipamentos, maquinários e quaisquer outros aparelhos essenciais ao desempenho da atividade empresarial.

Na sua dicção, o legislador não impede a distribuição e a busca e apreensão do bem diante do pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.

Socorre-se ainda de não autorizar qualquer bloqueio judicial de bens constituídos mediante alienação fiduciária, a teor do Decreto-Lei nº 911/69.

Remete, finalmente, qualquer discussão sobre concurso de preferências para o rateio do produto da venda do respectivo bem.

Embora louvável a medida em termos gerais, não pode ser aceita livre e universalmente para o pedido de recuperação judicial, quando estiver envolvendo não apenas o empresário, mas também o agronegócio.

O fornecimento de linhas de crédito, oficiais ou privadas, traz por consequência o aspecto das garantias, reais ou fidejussórias, qualquer retirada de equipamento que represente o pulmão da atividade empresarial deverá ser interpretado como o antecipado decreto do estado falimentar da empresa em crise.

Ao tentar desenhar a situação de financiamento de veículos, motos, acesso fácil do crédito anteriormente concedido, o legislador tocou em ponto delicado e que não pode, sob pena de inócua tentativa da reorganização societária, comportar interpretação restrita.

O moderno direito comparado, inclusive de países vizinhos, vale a pena destacar a recente Lei Chilena que entrou em vigor em outubro de 2014, sob n º 20.720, traz longo capítulo no qual veda qualquer retirada de bens considerados essenciais e necessários ao prosseguimento da atividade empresarial como um todo.

É bem verdade que algumas alterações da Lei nº 11.101/05 estão sendo feitas de maneira não coerente, ou pelo menos aceitável, dentre as quais o privilegiamento ditado ao credor fiduciário, para imediata recuperação e venda do bem, passando ao largo da recuperação judicial ou extrajudicial.

Cabe sublinhar a primazia do juízo da recuperação, ainda que não universal, sobre aquele da busca e apreensão, princípio da novação, e a conservação de bem imprescindível à continuidade do negócio.

Diplomas estrangeiros registram a possibilidade, decretada a quebra, da continuidade do negócio, o que não se cogita na legislação brasileira, mais ainda quando a propriedade fiduciária passa a ter um domínio exclusivo, universal, absurdamente destinado à recuperação do crédito.

Enquanto não formos capazes de separar a dialética da preservação da empresa e a simples recuperação do crédito, continuaremos patinando, e abrindo espaços para que a reorganização societária não alcance o almejado sucesso disposto no plano de recuperação judicial.

Inúmeras empresas não dispõe de capital de giro para compra de equipamentos, maquinários, e implementos agrícolas, basta ver o setor do campo, do agronegócio, assim, exemplificativamente, quando o produtor rural deixa de pagar as parcelas de um maquinário responsável pela colheita do produto agrícola, e o credor simplesmente pede a busca e apreensão, sinais dos tempos, o pedido de recuperação judicial traz uma enorme diferença, qual seja, de se oportunizar, diante da crise temporária do negócio, o realinhamento no pagamento das obrigações.

A edição em proliferação de normas complementares para os ajustes e alinhamentos da Lei de Recuperação Judicial não podem ser feitos sem o necessário equilíbrio, melhor interpretação, de forma macroprudencial, sob pena de estarmos, em doses homeopáticas, contribuindo decisivamente para o aniquilamento da atividade empresarial à luz de uma das maiores crises econômicas, históricas, da economia globalizada contemporânea.

Fica a advertência, com todo o respeito, para que a nova legislatura encerre no Parlamento a revisão do diploma normativo nº 11.101/05, com lógica, coerência, habilidade, prudência, e acima de tudo e antes de mais anda competência.

Autor:
Carlos Henrique Abrão