A média de pedidos de recuperação judicial em Cuiabá e Várzea Grande dobrou no período de 2015 a 2016

“Em geral, empresas tentam a recuperação quando já estão falindo”. Juiz Claudio Zeni afirma que maioria dos empresários espera tempo demais para recorrer ao Judiciário.

A média de pedidos de recuperação judicial em Cuiabá e Várzea Grande dobrou no período de 2015 a 2016, se comparado ao histórico dos últimos cinco anos. É o que afirma o juiz Claudio Zeni, da Vara de Falência e Recuperação Judicial da Capital.

Em entrevista ao MidiaNews, o magistrado diz que a maioria dos processos resulta no reerguimento das empresas. Apesar disso, observa que boa parte dos empresários não procura o Poder Judiciário no momento correto.

Segundo o magistrado, na ânsia de solucionar os problemas financeiros que enfrentam, recorrem aos benefícios a que têm direito, de acordo com a lei, somente quando já se encontram em situação pré-falimentar. Entre os micro e pequenos negócios, a procura é ainda menor.

Em Mato Grosso, a Região Metropolitana é a mais atingida. Além da crise financeira nacional, transtornos causados pelas obras da Copa do Mundo de 2014 também contribuíram para o aumento das demandas.

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews – O número de empresas que fechou em Cuiabá aumentou consideravelmente nos últimos anos. A maioria culpou a crise financeira. Nos pedidos de recuperação, esse é o principal argumento?

Cláudio Zeni – Um dos itens que a empresa argui é a dificuldade financeira, daí a evidência para conseguir buscar os benefícios da lei que trata da recuperação judicial. Agora o mais acertado que a gente vê e a prática nos demonstra é que a recuperação deve ser usada como uma estratégia, justamente, para evitar chegar no momento menos adequado que é a quase situação pré-falimentar.

Os números de aumento vêm nesse sentido realmente. Elas estão realmente com muita dificuldade e esperando os benefícios da lei. Agora o ideal é que seja feita essa análise econômica financeira um pouco antes, seja usada como elemento para dar mais fôlego ainda, porque um dos benefícios é a suspensão das cobranças por seis meses, como explica a própria lei.

Nós temos nos últimos cinco anos – eu estou aqui há dois e tive um cuidado de conhecer um pouco mais – dados que demonstram excepcionalmente que, entre meados de 2015 e meados de 2016, houve um número bem maior de pedidos de recuperações judiciais. A média da Comarca de Cuiabá estava em torno de 15 a 18 recuperações e nós saltamos, nesse período de 2015 para 2016, para mais de 30, 35. Este começo de ano foram três, o que é uma quantidade proporcional aos anos anteriores, levando em conta que normalmente – o mercado nos mostra isso – as empresas procuram vencer, passar o tempo do primeiro trimestre contábil, para daí promover a medida de recuperação. Mas a gente verifica que, sim, tem havido um aumento substancial. E, falando também, com os dados relativos a Várzea Grande.

Temos dados que demonstram excepcionalmente que, entre meados de 2015 e meados de 2016, houve um número bem maior de pedidos de recuperações judiciais
MidiaNews – Alguns advogados que atuam nessa área têm o entendimento de que as empresas estão demorando muito para ingressar com esses pedidos de recuperação. Que quando o fazem já é quase tarde demais. O senhor concorda?

Cláudio Zeni – O que eu disse tem muito a ver com essa opinião. Na prática, é uma experiência que a advocacia tem e que torna-se realmente verossímil. Quanto mais demorado, a empresa entra numa situação econômica quase de insolvência, a depender do caso, evidentemente, concreto. Por isso que a gente diz que a recuperação é uma ferramenta de recuperar e não de postergar. Normalmente o que acaba acontecendo é a postergação de um processo falimentar. A empresa perde o ‘time’ da decisão. Quanto mais para frente, menos condição econômica e acaba havendo o que? Ou um auto pedido de falência ou a convolação dessa recuperação numa falência.

MidiaNews – Outra alegação das empresas de MT foram os transtornos causados pelas obras da Copa do Mundo em 2014. O senhor acredita que a Copa realmente promoveu uma “quebradeira geral” em empresas de Cuiabá?

Cláudio Zeni – Quebradeira geral não. E, antes de responder mais especificamente, eu precisaria distinguir o perfil do empresário que busca a recuperação judicial em Cuiabá e Várzea Grande, daquele empresário do interior. O interior está ligado quase que todo ao agronegócio, com menos dificuldades, pela felicidade de estar indo bem o agronegócio em si. A Capital, a Região Metropolitana, tem mais serviços e, portanto, vem sim sendo mais atingida pela crise econômica nacional, decorrente dessa crise política, dessa crise ética que estamos vendo aqui.

Especificamente tratando de obras da Copa, nós verificamos, aqui e também em Várzea Grande, empresas que relataram e de fato tiveram problemas em decorrência de logística, da impossibilidade de emprestar um estacionamento, de facilidade de acesso, etc. Alguns casos se argumentou e não foi verificado.

MidiaNews – O senhor acredita que a administração passada do Governo do Estado, que hoje está envolvida em uma série de escândalos de corrupção, contribuiu para essa situação?

Cláudio Zeni – Quando eu digo questão política é esse contexto nacional. As ações de recuperação trazem para o processo argumentos nesse sentido: de que, vou deixar um exemplo muito claro e verdadeiro, temos aqui dois ou talvez quatro casos de construtoras que faziam obras para o Minha Casa, Minha Vida. Essas construtoras, pouco antes, dois ou três meses das eleições gerais de 2014 já não estavam mais com créditos e isso fez com que elas tivessem uma dificuldade tremenda. Algumas pediram recuperação judicial, outras sabemos que encerraram suas atividades e saíram do mercado. Então, essa crise política, essa crise econômica, evidentemente, também está afetando Cuiabá.

MidiaNews – Casos de empresas que teriam sido prejudicadas por esquemas de corrupção, efetivamente, não ocorreram?

Cláudio Zeni – Não temos aqui nenhum caso. Nós temos a notícia da OAS, em São Paulo, pelo que a mídia vem dizendo, e algumas outras por conta da ocorrência da Operação Lava Jato. Mas aqui, especificamente, nenhum caso que tenha essa discussão sendo abordada.

MidiaNews – Em média, a maioria das empresas que pedem recuperação tem o pedido aceito ou negado?

Alair Ribeiro/MidiaNews
Juiz Cláudio Zeni
“Quanto mais demorado, a empresa entra numa situação econômica quase de insolvência”
Cláudio Zeni – Nós temos que distinguir pedidos para começar um processo de recuperação e o pedido ao final, que é o acolhimento da recuperação, como determina a lei. São coisas bem distintas. No início do processo, nós fazemos quase que sempre uma chamada perícia prévia que é a determinação para que um perito, um contador, um economista vá a empresa, conheça a realidade, inclusive física – existem em alguns Estados da Federação situações em que nem existência física há e há o pedido. Então, faz-se uma análise prévia das condições para ver se ela preenche os requisitos legais para começar o processo. No ano passado, nós tivemos um caso apenas de não recebimento da petição inicial por não preencher esses requisitos que a lei trata.

No caso do pedido final, são mais de 15 que foram analisados, que deram entrada em 2016. Muitos desses ainda não chegaram a chamada assembleia geral para que o juízo homologue ou não o plano, caso tenha sido aprovado ou, se o plano foi rejeitado, a gente tem que fazer a rejeição da recuperação em falência. Mas, de todo modo, dos que foram já apreciados, em torno de três é que não foram homologados. Determinou-se a nova realização de assembleia ou até a hipótese de conversão em falência. A maioria tem um resultado pelo acolhimento do processo de recuperação para entrar nessa segunda fase, que é o cumprimento do plano que foi aprovado pelos credores.

MidiaNews – Entre as empresas que têm esses pedidos negados, há indícios de fraude ou de tentativa de usar a Justiça para conseguir benefícios?

Cláudio Zeni – Não necessariamente fraude e até, em se tratando de fraudes, nós estaríamos tratando de crimes falimentares, porque a fraude aqui seria contra credores. Esse não é o papel do Judiciário neste momento. Claro que, se existir evidências, encaminha-se para o Ministério Público para a apuração desses supostos crimes. Mas o papel nosso, no início, é verificar se preenche alguns requisitos objetivos para dar a esse devedor que pede a recuperação os benefícios da lei. Então, normalmente, não se verifica, eu desconheço, pelo menos aqui em Cuiabá, qualquer caso recente que tenha decorrido assim.

MidiaNews – Como o senhor consegue identificar se a empresa realmente precisa da recuperação como única forma de sair da crise e quando a empresa é má administrada e tenta usar a recuperação para se socorrer de crises momentâneas?

Cláudio Zeni – Na realidade, a empresa verdadeiramente saudável, viável não deve deixar a recuperação judicial como última ou única saída para sua crise. Os empresários precisam saber enxergar a recuperação como mais uma ferramenta de gestão do seu negócio, claro que isso é possível quando devidamente assessorados por profissionais capazes de ter essa visão global. Geralmente, as empresas buscam a recuperação judicial já depois do momento adequado, o que pode dificultar o seu soerguimento.

São vários fatores que podem levar a empresa à situação de crise. Para identificar uma empresa que precisa dos benefícios da recuperação judicial, observo especialmente os seus índices de liquidez, seu endividamento, o perfil de sua dívida (curto ou longo prazo) e a sua capacidade de pagamento. Mas essa análise inicial é limitada, uma vez que a real possibilidade de soerguimento da empresa poderá ser avaliada mais concretamente a partir da apresentação do plano pelas devedoras.

MidiaNews – Somente as grandes empresas ou grupos econômicos se tornam notícia quando ingressam com pedidos de recuperação judicial. Pequenos empresários também procuram esse mecanismo com frequência?
Na realidade, a empresa verdadeiramente saudável, viável não deve deixar a recuperação judicial como última ou única saída para sua crise. Os empresários precisam saber enxergar a recuperação como mais uma ferramenta de gestão do seu negócio

Cláudio Zeni – O pequeno não procura o Judiciário. E é quem, no meu conceito subjetivo, mais merece, mais precisa. Eles acabam não procurando porque não sabem que têm o direito ou, se sabem, acham que isso vai ser muito difícil. E é o contrário. O processo tem um custo? Tem. Mas tudo é proporcional ao tamanho do empresário.

Tem administradores judiciais aqui que têm uma vasta experiência, que escrevem livros, têm doutorado em Harvard. Eles têm um custo elevado e vão dizer que não querem trabalhar em determinado caso, que vai render R$ 1 mil por mês. Mas também tem aquele profissional que está entrando no mercado. Hoje nós estamos fazendo um curso inédito no Brasil, aqui no Tribunal de Justiça, preparatório para criação de administradores judiciais.

MidiaNews – A maioria das empresas consegue se reerguer com a recuperação? Quanto tempo demora, em média?

Cláudio Zeni – Dentro da Lei 11.101/2005, que trata das recuperações e das falências, há um dispositivo que diz assim: aprovado o plano – e esse plano é aprovado por uma assembleia que é composta pelos credores. De acordo com as características do crédito é que eles votam – e ele vindo a ser homologado, os dois primeiros anos é de um acompanhamento, vamos chamar de inicial, em que a parte devedora, ou seja, autora da ação, ela tem umas prerrogativas, por exemplo: pode não começar a pagar desde cedo. Mas os créditos trabalhistas ela tem que passar a pagar em até um certo período. Então, dura, pelo menos, esse tempo de dois anos.

Mas a própria assembleia de credores pode dizer que aceita que o devedor pague em 15 anos. Dependendo da característica do crédito, isso é aceitável. Dependendo da característica do crédito, isso não vai ocorrer. Então, não há um tempo médio de lei. E, melhor dizendo, não há um tempo nem que a própria prática demonstra. Porque depende muito do volume de crédito, do tipo de dívida que é existente para se dizer que isso vai ser ou não cumprido.

É bastante complexa essa regra. Ela depende de fatores econômicos, evidentemente; algumas empresas têm produtos sazonais, então só vai ter giro duas vezes ao ano. Aquelas que são do agronegócio são os melhores exemplos disso. Quando que eu tenho matéria prima de soja? É uma ou duas vezes ao ano em grande volume, para manter minha empresa com maior atividade.

Então, se uma empresa dessa tem um problema de recuperação, vai demandar mais tempo do que uma empresa que tem vencimentos, que tem créditos, que tem receita diária, por exemplo. Então, não há esse tempo e falar que é em cinco anos ou em 15 anos, nunca é demais.

MidiaNews – Mas, num geral, é possível afirmar que a maioria dessas empresas consegue se reerguer?

Cláudio Zeni – Os dados da nossa Vara demonstram que mais da metade conseguem se reerguer sim. Conseguem cumprir o plano, algumas até antes do tempo previsto e se tornar, novamente, saudáveis, que é o propósito: fazer com que elas possam pagar em dia o que devem e gerando emprego, gerando renda, que são exigências legais e sociais.

MidiaNews – Por envolver somas milionárias, às vezes bilionárias, há empresas ou advogados que já chegaram a tentar ou fazer algum tipo de proposta indecente ao senhor? Poderia exemplificar?

Cláudio Zeni – Não. Eu nunca tive esse desprazer. E espero nunca ter também. Espero, inclusive, que isso não exista.

MidiaNews – O senhor já sofreu alguma tentativa de retaliação por ter dado alguma decisão contrária aos interesses de grandes corporações?

Cláudio Zeni – Também não. Eu acredito que isso é história. Se houve alguma coisa ou outra. Eu, particularmente, nunca tive. Desconheço que algum colega tenha tido. Nós estamos aqui para decidir. A insatisfação gera recursos ao Tribunal de Justiça e aos tribunais superiores. Sempre lembrando que, se esse juiz não está satisfazendo, não vai adiantar nada eliminá-lo do sistema, porque outro juiz vai aparecer e vai continuar julgando. Então, acredito que isso não ocorra e que não venha a ocorrer tão cedo.

MidiaNews – Há muitas tentativas de usar a recuperação judicial para se livrar de dívidas? Já julgou algum caso em que isso aconteceu? Quais as medidas cabíveis quando se identifica esse tipo de manobra?

Alair Ribeiro/MidiaNews
Juiz Cláudio Zeni
“Não há um tempo (médio) nem que a própria prática demonstra”
Cláudio Zeni – Claro que o que elas têm como benefício legal, ou seja, o tempo que lhes é concedido, é para se livrar das dívidas. Mas ela tem que gerar empregos e gerar renda. Ela tem que ter os aspectos sociais para que possa ter merecimento do despacho que defere o pedido de recuperação. Então, o que ocorre é que, após o início desse processo, por razões alheias às empresa, razões que não se vislumbravam em momento nenhum, elas não consigam se reerguer.

Daí, portanto, há a outra face da própria lei que é a falência. Ela é ruim, evidentemente, mas ela é uma solução também para o empresário. Ele vai ficar formalmente falido por um certo período, depois fica com o nome apto a, depender da situação, ser comerciante ou empresário novamente.

Então, nós não podemos dizer que ele vem aqui só para se livrar de dívidas ou que ele procure o processo só para isso. Mas se isso acontecer, caracteriza-se um crime, em tese, e isso é o que gera, depois, uma ação penal a ser movida pelo Ministério Público.

Daí a figura do administrador judicial que a lei prevê, inclusive, estando constantemente na empresa, lidando com os números, com os dados, os fatos da empresa, para trazer ao conhecimento do juiz para que possa, se for o caso, tomar uma providência penal.

MidiaNews – Existem comentários de que algumas empresas entram em recuperação e, ao mesmo tempo, abrem outras empresas – em nome de parentes ou laranjas – para desviar os recursos. Como a Justiça pode identificar quando isso acontece? Já houve algum caso em que isso ficou comprovado?

Cláudio Zeni – Pode existir, estou falando em tese, porque não me lembro de nenhum caso específico, aquele empresário que cria uma empresa em nome de uma terceira pessoa para tentar descaracterizar que essa empresa é dele. Ele movimenta o financeiro através dessa empresa e a dele fica sem condições de pagar ninguém e vai acabar indo a falência e coisa e tal.

Hoje, com todos esses sistemas eletrônicos, que interligam os dados, não fica difícil de nós detectarmos essa fraude – porque é uma fraude a credores e constitui, portanto, o crime falimentar – e, isso ocorrendo, a gente tem as opções imediatas de fazer uma chamada dessas empresas para dentro desse próprio processo. Reconhecendo um grupo econômico, quebrando a personalidade jurídica daquela e trazendo para esta daqui. São instrumentos antigos do direito que acabam sendo praticados se aparecer essa tentativa de fraude.

Existem várias situações assim, mas estão todas ainda em apuração, algumas em segredo de Justiça.

MidiaNews – Se comenta muito sobre a questão dos critérios para a escolha dos administradores judiciais, uma vez que eles ganham uma porcentagem que, dependendo do valor da recuperação, pode chegar na casa dos milhões. Existe algum critério específico que o juiz usa para fazer estas nomeações?

Cláudio Zeni – Existem critérios específicos para ambos. A nomeação do administrador judicial decorre de lei. Lá diz que a nomeação deve recair numa pessoa jurídica, uma empresa que seja desse ramo de atuação e/ou advogados, contadores, administradores, economistas, preferencialmente.

A lei trata de, nas hipóteses de recuperação, que os créditos, os honorários dessa pessoa jurídica ou física, seja de até 5% do montante em discussão e, na falência, esse percentual recai sobre o que tem de bens a serem arrecadados. Então, sim, existem critérios.

Existem casos de nomeação de até 5% do valor total? Sim. Mas é, eu diria, a exceção. Um dos critérios do maior valor é necessidade de um serviço mais complexo, um serviço mais demorado, mais difícil e esses casos não são tanto assim. Outro aspecto: as cifras supostamente milionárias dependem também da situação, porque, vamos colocar de 0,1% a 5% que pode recair sobre R$ 300 milhões, quanto dá isso para a remuneração? Pode ultrapassar R$ 1 milhão. Então passa a ser milionária. Todavia, o que indicaria essa quantia dentro de uma recuperação, por exemplo, de uma OI, como está havendo no Rio de Janeiro, dentro de uma OAS, que trata de bilhões? Então, isso tudo é proporcional. Eu diria que não existem exageros.

Quanto às nomeações, estamos hoje com uma grande iniciativa da Escola da Magistratura de Mato Grosso, em conjunto com a Escola do Ministério Público de Mato Grosso. Houve a contratação também do Instituto Brasileiro de Administradores Judiciais com o propósito, e já está acontecendo, de um curso de formação de administradores judiciais. Existem Tribunais de Justiça que já têm setores responsáveis por isso. O nosso é inédito por estar junto com esse Instituto. É o primeiro no Brasil e já está surtindo efeitos. A OAB já fez um curso também para capacitação e é evidente, os melhores capacitados são os que vamos atrair para trabalhar conosco.

MidiaNews – Como que se define quem são os melhores capacitados?

Existem casos de nomeação de até 5% do valor total? Sim. Mas é, eu diria, a exceção
Cláudio Zeni – De acordo com o perfil profissional e de acordo com a necessidade do processo. Vou dar um exemplo bastante comum. Uma empresa ligada ao esmagamento de soja ou de algodão. Eu preciso de um profissional que entenda como é esse setor da economia, para que ele possa, com mais facilidade, trazer as informações para nos assessorar. Esse é o papel do administrador judicial.

Numa situação de uma empresa que tem um objeto social mais simples, comércio de compra e venda de combustíveis, pode ser um profissional, com menor especialização, digamos assim. Como pode ser que não também. No meio do processo, vê-se que ele não está trabalhando a contento, promove-se a substituição.

Pode ser um comércio de natureza simples, mas que, depois que a gente entra realmente nos dados, vemos que tem uma coisa muito complexa. Pode ter uma perícia, uma auditoria diferenciada, enfim, podem vir coisas que não se presumem num primeiro momento. Daí a contratação, a designação do profissional para esta ou aquela espécie.

MidiaNews – Em alguns casos, houve juízes do interior que nomearam advogados da Capital para exercer a administração judicial de empresas que atuam a centenas de quilômetros de distância. Isso é normal?

Cláudio Zeni – Veja, pode existir. Não me recordo de um caso específico. O que é muito comum: a empresa tem filiais ou é um grupo econômico, formado por várias empresas, todo ele entra com o pedido de recuperação judicial. Delas, uma vende calçado e a outra pode estar vendendo petróleo numa cidade do interior. Então, o administrador cuida do processo como um todo. Ele vai ter que estar aqui e no interior.

Pode ser até do mesmo ramo de atividade. Um supermercado pode ter lojas aqui e lojas no interior. Tem que ver na prática da viabilidade, se a empresa tem que pedir recuperação aqui ou no interior. Qual seria a competência, de qual juízo para processar? Aí volto a dizer que existem vários e vários aspectos para a gente poder responder com concretude uma pergunta dessa.

Pode existir e existem casos específicos de empresas de São Paulo, de fora do Estado, que atuam como administradores judiciais. Isso porque, a especialidade dela aqui não tem ainda. Vale lembrar também da confiança. O juízo precisa ter, evidentemente, naquele expert, naquele auxiliar dele toda a confiança.

MidiaNews – Há distorções nessa lei por pender mais para o lado das empresas do que dos credores? Porque no caso do Modelo, muitos funcionários reclamaram que demoraram anos para receber o que tinham direito…

Cláudio Zeni – Vamos deixar claro, a lei sempre é sábia. Se ela contiver uma redação ou um propósito que não seja o melhor, esse é um dos fatores pelos quais há, necessariamente, a interpretação da lei pelo Poder Judiciário. Então, a lei, neste caso específico, ela não traz benefício nem prejuízo para ninguém. O que ela traz, até falando do trabalhador, é o contrário, ela prestigia, beneficia o pagamento dos créditos trabalhistas. Isso dentro da recuperação judicial e dentro da própria falência.

Caso específico do supermercado Modelo. É um processo que eu haveria de atuar, mas declarei minha suspeição por motivo de foro íntimo, então, não poderia falar dele em especial. Mas eu posso dizer que um dos problemas do processo é a demora pela natureza de prazo que tem que ser vencido, de perícias que tem que acontecer. Isso faz com que demore o recebimento ao final. Mas havendo crédito, os primeiros a receber precisam ser os trabalhadores.

MidiaNews – O senhor acha que a Lei de Falência e Recuperação precisa de mais adequações?

Cláudio Zeni – Particularmente, acho e não acho sozinho. Embora há pouco tempo aqui, posso te afirmar que sim. E hoje, talvez em torno de seis meses, nós temos uma comissão formada pelo Ministério da Fazenda em atuação, já discutindo o tema para propor uma reforma ampla na lei. É importante e vários pontos – embora a lei tenha vigência de 2005, ela tem pouco menos de 12 anos – foram detectados, sobretudo pelos Tribunais de Justiça e pelo Superior Tribunal de Justiça e o propósito é melhorá-la, adequá-la para que ela seja realmente eficaz, para que ela atinja, o máximo possível, os propósitos que são o ressurgimento da empresa, a geração de renda, a geração de empregos.

Nós temos detalhes bastantes técnicos, mas um deles, por exemplo, que está bastante polêmico é quanto aqueles bancos que têm créditos com garantias reais não comporem a ação de recuperação. A lei diz isso, está correta, é boa, mas o que acontece? Muitos dos devedores têm a maior parte da dívida constituída através de banco, por meio de empréstimos. Isso faz com que o sucesso da recuperação judicial não ocorra porque esses créditos sequer dão ensejo a uma recuperação.

Então esse é um dos assuntos que, desde que a lei foi publicada, gera polêmica, gera insatisfação e é um dos assuntos que está sendo objeto de análise para que essa proposta seja mandada para o Congresso Nacional, para a formulação de uma nova lei.

MidiaNews – O senhor tem uma estrutura adequada para julgar os processos com celeridade e conseguir acompanhar o andamento dessas recuperações?

Cláudio Zeni – Eu falo, evidentemente, em relação ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Nós temos, tanto da gestão anterior, quanto dessa – Corregedoria, Vice-presidência e Presidência – um extremo apoio para melhoria o quanto possível da 1ª Vara Cível de Cuiabá, que trata do processo de falências e também das Varas do interior, que são afetas a essa matéria, com o propósito de melhor qualificar a todos: os magistrados e os servidores.

E eu falei também desse curso de formação de administradores judiciais, que também estão fazendo parte como alunos, promotores de Justiça e juízes, que foram destacados pelos respectivos órgãos, além daqueles que se inscreveram. Então, nós vivemos um momento muito importante, muito salutar e as respostas já estão ocorrendo, porque a especialização ajuda e muito. Ela concentra pessoas, servidores, magistrados, promotores e isso reduz o tempo e dá uma melhor eficácia também.

Fonte: Midia News