Recentes decisões do STJ beneficiam as empresas em recuperação judicial

Foto: José Cruz/ABr/ wikimedia commons

A Recuperação Judicial representa um poderoso mecanismo de planejamento (e fôlego) para empresas em crise, tendo “por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”, nos exatos termos do artigo 47 da Lei 11.101/05, que regulamenta a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

O ponto central do processo de recuperação é o Plano de Recuperação Judicial (“PRJ”), apresentado no prazo de 60 dias a contar do deferimento do processamento do pedido de recuperação. O Plano se destina não só a propor a forma de liquidação do passivo da empresa em crise, mas também tem por objetivo a demonstração de sua capacidade de soerguimento.

Trata-se, o PRJ, de verdadeira novação de dívida, vez que a obrigação jurídica anterior se extingue, criando-se uma nova, como novos valores e/ou nova forma de pagamento.

Assim, para elaboração de um PRJ viável e factível, é imprescindível que se conheça o valor exato do passivo da empresa e quais débitos estarão sujeitos ao PRJ. Para tanto, o legislador fixou um marco temporal: “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos” (art. 49).

O conceito de “crédito existente”, num primeiro momento, não se apresenta como um termo de complexa definição. As empresas têm pleno conhecimento de suas obrigações sociais e contratuais, vencidas e vincendas, de forma que os registros de créditos de empregados, fornecedores, fiscais etc., constantes de seus documentos contábeis são uma importante base para apuração dos “créditos existentes” na data do pedido de recuperação. A lei especifica como créditos existentes as obrigações já contraídas, ainda que o prazo para cumprimento dessa obrigação não tenha vencido.

Ocorre que existem créditos sobre os quais pairam controvérsia acerca de sua existência. É o caso de valores que estão sendo discutidos em ações judiciais. E a respeito do momento em que esses créditos poderiam ser considerados “existentes” para análise de sua submissão ao PRJ, a lei não traz uma resposta clara.

Diante da lacuna da lei, a doutrina e a jurisprudência adotaram algumas linhas de entendimento: (i) a partir do momento em que a  sentença condenatória é proferida, pois até então não haveria um crédito constituído, mas tão somente uma expectativa de direito; (ii) quando do trânsito em julgado da decisão condenatória, momento em que a decisão não poderia mais ser reformada e (iii) no momento da ocorrência do fato que gerou a obrigação, pois a sentença condenatória apenas teria o condão de declarar o direito dele decorrente, com efeito retroativo.

Esse último entendimento, sem dúvida, é de grande interesse para as empresas em recuperação, pois propicia a inclusão de um volume maior de passivos renegociáveis no seu Plano de Recuperação Judicial.

E a boa notícia para essas empresas é que recentes decisões proferidas pelas Turmas do Superior Tribunal de Justiça em demandas referentes a crédito trabalhista e de responsabilidade civil têm decidido de que a data do fato gerador da obrigação seria o marco temporal para a sujeição ou não do crédito à recuperação judicial, ainda que a liquidação venha a ocorrer em data posterior.

Um dos precedentes envolve a Recuperação Judicial da Oi S/A, que está em recuperação judicial desde 2016.

Numa ação movida por um acionista cujo objeto é a cobrança de valores referentes à subscrição de ações da Companhia, o Tribunal de origem (Tribunal de Justiça do Distrito Federal), entendeu que aquele crédito não se sujeitaria à recuperação judicial por se tratar de quantia ainda ilíquida, uma vez que a sentença de liquidação ainda estava sujeita a recurso,  e diante disso determinou o prosseguimento da execução provisória.

A questão foi levada ao STJ e no julgamento Agravo Interno no Recurso Especial n° 1793713-DF (2019/0028691-8), constou do acórdão de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Terceira Turma) que “a jurisprudência desta Corte Superior, contudo, tem se orientado no sentido de que o marco temporal para aplicação da norma do art. 49, caput, da Lei 11.101/2005 é a data da ocorrência do fato gerador da obrigação que dá origem ao crédito, não a data da liquidação, propriamente dita.”

Com tal julgado, é possível se afirmar que a questão se encontra praticamente pacificada no STJ.

Convém destacar que este tema é objeto do Projeto de Lei 10.220/2018 (apensado ao PL 6229/2005), cuja proposta altera, dentre outros, a redação do caput artigo 49 da Lei de Recuperação e Falências, para fazer constar que: “estão sujeitos à recuperação judicial os créditos cuja contrapartida tenha ocorrido até a data do pedido de recuperação e as obrigações existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, mesmo ilíquidos.”

Além de alterar a redação do caput artigo 49, o Projeto também inclui o §7º nesse dispositivo para determinar que se sujeitam “à recuperação judicial os créditos, inclusive trabalhistas, decorrentes de contrapartidas ou fatos anteriores ao ajuizamento da recuperação judicial, mesmo que a sua constituição tenha ocorrido em data posterior.”

Portanto, o Projeto de Lei 10.220/2018, que tramita perante a Câmara dos Deputados em regime urgência, pretende consolidar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

 

Fonte: Jota